Não gosto de dizer que a pandemia está ensinando coisas porque a pandemia é até aqui uma grande tragédia para a espécie humana, mas gosto da perspectiva de que a Covid-19, ao nos devastar, revela verdades.
Uma dessas verdades é a de que a forma como produzimos, distribuímos e consumimos mercadorias e serviços não nos serve mais porque ela está destruindo quaisquer possibilidades de que exista, em um período que pode ser de apenas 50 anos, vida decente no planeta para a espécie humana. Por vida decente me refiro a água potável e ar respirável. Se seguirmos nesse ritmo de destruição de rios e florestas, talvez sejamos a primeira espécie na história a se auto-estinguir. Então, ao revelar essa dura verdade, o vírus pode nos salvar ainda que todos nós acabemos pagando com nossas próprias vidas ou tenhamos que lidar com a perda daqueles que amamos.
Mas como podemos mudar a tempo de não nos matar? Existem algumas saídas, mas eu queria focar naquela que é pra mim a mais revolucionária. Todo o poder decisório de hoje pertence a duas dúzias de famílias no mundo. São elas as proprietárias da extração de petróleo e de minérios, são elas que distribuem o noticiário e decidem o que deve ser informado e como deve ser informado e, mais importante, o que não deve ser informado. São elas que têm sob seu controle os sistemas políticos do mundo inteiro e são essas mesmas famílias que fazem e executam as leis já que estão mais juntas e misturadas do que a moral permitiria dos poderes executivos e legislativos. São, portanto, elas que decidem o que vai ser produzido e consumido, como vai ser distribuído e regulado. É, portanto, bastante curioso que a gente não se canse de exaltar a democracia mas não queria que essa mesma democracia chegue ao ambiente de trabalho.
Como funciona uma corporação? Com um CEO e um corpo diretor, digamos de 10, 15 pessoas, decidindo a vida de centenas, de milhares – muitas vezes de centenas de milhares – de empregados e, portanto, daquela comunidade. Se esse corpo diretor decidir que a partir de amanhã seria melhor confeccionar os produtos daquela empresa do outro lado do mundo para diminuir encargos trabalhistas assim será feito mesmo que seja preciso demitir metade dos funcionários. Nem vai doer porque o que vale é aumentar a taxa de lucro. Mas e se o processo decisório envolvesse mais pessoas? Digamos: envolvesse todos os empregados daquela empresa.
E se o CEO, em vez de ser nomeado pelo corpo diretor, fosse votado por todos os funcionários? Por que esse sistema democrático que dizemos amar acima de qualquer outro não pode ser instalado no mundo das empresas? Será que seguiríamos destruindo florestas? Furando furiosamente o solo em busca de minerais que são finitos e cuja retirada acelera nossa destruição? Seguiríamos assassinando rios? Poluindo mares? Criando montanhas de lixo que têm o tamanho de países e vagam pelos oceanos?
Quem manda no mundo hoje são as grandes corporações muito mais do que países ou nações. E esse mundo comandado por elas está morrendo sufocado. Precisamos transformar a realidade – e para fazer isso levar a democraria para o mundo empresarial é uma alternativa. A ideia de que uma vez já existimos divididos em categorias como patrão e empregado pode um dia ser entendida como hoje entendemos senhores feudais e servos, proprietários de escravos e pessoas escravizadas: uma aberração moral e ética.
Uma utopia? Talvez longe disso. Algumas grandes empresas já atuam no modelo de cooperativas. Uma das maiores fica na Espanha, no País Basco, e se chama Mondragon: são mais de 100 mil funcionários e, portanto, de sócios. Outras tantas existem numa região no norte da Itália que se chama Reggio Emilia cuja administração estatal incentiva a criação de cooperativas. E aqui na TI Comunicações, a empresa-holding, estamos também experimentando essa transformação. Somos uma empresa pequena e, portanto, de pequeno impacto no mundo. Mas algumas das maiores transformações que ocorreram na sociedade começaram com um grupo de cinco pessoas profundamente decidido a criar alguma coisa nova.