Diante da necessidade de repensar padrões e estruturas que permeiam o universo do turismo, convidamos cinco profissionais da área para falar sobre o que eles veem se transformar no presente e o que esperam para o futuro.
Cintia Ramos, sócia/CMO da Diáposra.Black
TI Comunicações: Como você enxerga o turismo pós-pandemia?
CR: Eu acho que pós-pandemia o turismo vai ser aquele resgate dos sonhos, sabe? Eu acho que o mercado todo vai se adaptar, a gente tá se adaptando todos os dias, e eu vejo que os consumidores desde já estão procurando um turismo mais humano, um turismo com propósito e não massivo, um turismo em que exista uma ligação mesmo. Alguns clientes de empresas que eu atendo estão desesperados para fazer passeios, já que todo mundo ficou dentro de casa, as pessoas querem conhecer e explorar mais, desde o bairro até a cidade, o estado, o país e outro país. Então, eu acho que vai ser bem intenso, tomando todos os novos cuidados, e que o turismo vai trazer de volta aquela mágica de resgatar os sonhos, de conhecer novos lugares e de se conectar com outras pessoas e histórias.
TI: Que mudanças serão importantes no turismo que fazíamos antes da pandemia?
CR: Vou fazer uma analogia bem prática: por exemplo, pra entrar em Cuba você precisa mostrar a carteirinha com a data da vacina, eu acho que isso vai ser uma coisa mundial assim que sair a vacina pro Covid. Acho que vai ter que ter uma atenção muito mais reforçada sobre a saúde, e acho que as cobranças pra entrar em outros países vão ser mais restritas. Com razão, eu acho que a questão da saúde vai ser muito importante e o turismo vai ter que se adaptar desde a poltrona do avião aos tipos de viagem e permanência nos lugares. As pessoas vão começar a fazer viagens mais rápidas e curtas, os destinos que tem uma estrutura hospitalar mais preparada provavelmente vão ser os que vão ter mais buscas. Então, eu acho que o turismo vai mudar assim 360, vai conseguir manter a essência, mas estruturalmente vai ser necessário que tenham mais atendimento, mais postos de saúde disponíveis ligados aos órgãos do turismo. Foi um reset muito forte ver as companhias aéreas cancelando, os hotéis fechando, então acho que o retorno vai ser com muito mais cuidado, mas que o turismo vai continuar sendo a potência que ele é.
TI: Do que você mais sente falta na quarentena?
CR: Eu sinto muita falta de, através da diáspora.black, poder proporcionar às pessoas que elas conheçam lugares e histórias. Eu sinto muita falta dos feedbacks das pessoas quando fazem os passeios, quando fazem as viagens, fazendo o conteúdo online tem também os feedbacks, mas eu sinto falta de receber as selfies dos clientes nos passeios, com um sorriso enorme, e de ver os posts da galera descobrindo as coisas. Sinto muita falta de proporcionar para outras pessoas esse conhecimento e, óbvio, eu sinto muita falta de escrever na minha planner o dia e o horário do meu embarque, sinto muita falta de poder viajar. Estou contando os dias pra arrumar minha mala e viajar assim que puder, estou com muita vontade de ir pra praia e depois de ir pro Quilombo dos Palmares, estou com muita vontade mesmo e sinto muita falta desse contato. Acho que é meio clichê, mas eu sinto falta de olhar no olho das pessoas presencialmente, de poder abraçar as pessoas, sorrir, conversar, ouvir, trocar essa energia. Eu sou muito presença, então eu sinto falta desse contato físico mesmo com as pessoas e de saber que elas estão por aí, de conhecer novas histórias, eu sinto muita falta disso.
TI: O que de mais significativo se transformou em você durante esse período?
CR: Eu percebi na pele o famoso “a grama do vizinho é sempre mais verde”. Enxergar as pessoas, respeitar as pessoas, respeitar o tempo das pessoas, eu estou aprendendo muito isso, estou sendo muito mais empática comigo mesma e com as outras pessoas. Eu sou muito acelerada, virginiana, sou organizada e eu acho que no começo da quarentena eu intensifiquei muito isso e acabei cobrando demais as pessoas, tanto do meu círculo pessoal quanto do círculo profissional, e estou sendo obrigada a entender e a respeitar o outro de uma maneira genuína e verdadeira. Nem todo mundo vai estar disponível e feliz na mesma velocidade, na mesma agilidade que eu idealizei. Então, acho que eu estou sentindo na pele, aprendendo e colocando em prática ser mais empática com o tempo do outro, entender que estamos numa pandemia mundial e que os sentimentos estão numa montanha russa, que eu não vou conseguir adivinhar, assim como o outro não vai adivinhar em qual parte da montanha russa eu estou naquele dia. Estou tentando ser o mais verdadeira e transparente possível, e colocando em prática ser mais empática com outro.
Artur Luiz Andrade, editor-chefe do Panrotas
TI Comunicações: Como você enxerga o turismo pós-pandemia?
Artur Andrade: Eu vejo pelo menos duas fases: primeiro a fase de protocolos, a fase do novo normal, onde o mais importante vai ser se sentir seguro pra viajar, os profissionais passarem confiança para os clientes, os destinos mostrarem o que estão fazendo. Na segunda fase, pós uma vacina, que deve chegar aí no começo de 2021 pelo que se prevê, aí a gente vai ver de tudo que a gente passou durante a pandemia, nessa fase transitória, o que que a gente quer que fique. Eu acho que a maioria vai querer a volta daquela normalidade de antes da crise, o que não é possível completamente. As pessoas vão se apegar muito ao que tinham antes, mas algumas mudanças com certeza devem ficar, como o combate ao turismo de massa, uma vida menos estressante, a busca pelo bem-estar. Então eu acho que pelo menos essas duas aí vão acontecer no turismo pós quarentena, pós pandemia.
TI: Que mudanças serão importantes no turismo que fazíamos antes da pandemia?
AA: Outro dia eu estava vendo uma live, uma dessas milhares de lives, e o palestrante falava “Agora numa viagem corporativa, a gente vai ter que fazer a pergunta: essa viagem é essencial?”, aí eu perguntei pra ele “Mas a gente não fazia essa pergunta antes? As viagens corporativas não eram essenciais? A gente tava fazendo a pergunta errada?”. Então, esse mindset vai ter que mudar realmente pro que a gente quer, pro que é necessário. Nas viagens corporativas eu acho que haverá mais assertividade no que é preciso ser feito, e nas viagens de lazer, como eu falei anteriormente, essa busca pelo bem-estar e pelo combate ao turismo de massa. Não dá mais pra você ir pra um lugar que é basicamente over tourism, onde você só quer tirar foto pra colocar nas redes sociais. Isso é uma coisa de antes que tem que mudar, essa superficialidade que até está colocando em xeque o papel de instagramers e influencers, porque é uma realidade que não existia e que se existisse era muito fake e tinha que mudar. Então, o turismo de antes precisa de mais realidade, uma realidade melhor de preferência.
TI: Do que você mais sente falta na quarentena?
AA: Acho que basicamente da liberdade, né, mesmo da liberdade de querer ficar em casa. A liberdade de ir pro Rio ver minha família, a liberdade de ir pro Rio passear, a liberdade de viajar, a liberdade de fazer coisas cotidianas que hoje a gente não está podendo fazer. Então é disso que eu sinto mais falta, de estar com pessoas, de viajar e fazer coisas que eu gostava antes. Pode falar beijar? Pode, né? Beijar também, porque eu moro sozinho, então falta contato humano aí.
TI: O que de mais significativo se transformou em você durante esse período?
AA: Eu acho que tempo pra refletir a gente teve, né? Eu acho que uma das maiores transformações é com relação ao tempo, o que a gente vai fazer com nosso tempo. Tenho vários planos, alguns eu já coloquei em prática, tipo, não guardar rancores, não guardar coisas do passado. Mas eu espero que quando a gente tiver essa liberdade de sair que, realmente, seguindo as orientações da minha guru Tati Isler, eu vá me exercitar mais, comer melhor, ter uma espiritualidade mais exercitada aí, e sair desbravando o mundo como a gente sempre gostou, né, é isso.
Beatriz Souza, proprietária da Brafrika Viagens
TI Comunicações: Como você enxerga o turismo pós-pandemia?
Beatriz Souza: Nós apostamos fortemente em viagens curtas. Acreditamos que as viagens de ônibus, carro e para locais que estão à mão serão a prioridade número um do turista. Então, as viagens internacionais e para outros estados mais distantes vão esperar um pouquinho.
TI: Que mudanças serão importantes no turismo que fazíamos antes da pandemia?
BS: Eu acho que tanto o hotel quanto a companhia aérea ou restaurante onde a gente vai entrar e consumir precisa expor de maneira muito clara quais ações sanitárias que tomou para trazer uma segurança maior para os viajantes. É um tipo de informação que a gente não vai precisar ir atrás para ter acesso, essa informação precisará estar exposta justamente para dar essa sensação de segurança.
TI: Do que você mais sente falta na quarentena?
BS: O que eu mais sinto falta na quarentena é de sair com os meus amigos. Eu gostaria muito de poder ir no bar, a gente tem um bar preferido no bairro e eu gostaria muito de ir lá. Quero poder viver esses momentos de curtir a cidade, curtir as coisas que acontecem em São Paulo, que é muito movimentada. Então sinto muita falta de estar com os meus amigos dentro desse contexto social e de viajar também, obviamente, né?
TI: O que de mais significativo se transformou em você durante esse período?
BS: O que foi mais transformador pra mim nessa quarentena, foi perceber que eu precisaria abandonar todos os projetos que tinha planejado pro ano e conseguir encontrar dentro de mim vontade e motivação para implementar outros projetos que se enquadrassem neste novo cenário. Quando a gente fala de viagem, quando a gente fala de empreender, a gente fala de planejamento, então colocar esse planejamento todo de lado e entender que eu precisaria desenvolver algo novo do zero foi bastante transformador. Estamos aqui agora com projetos novos, ainda a pequenos passos, mas em breve estaremos correndo por aí de novo.
Erik Sadao, Diretor da Sapiens Travel
TI Comunicações: Como você enxerga o turismo pós-pandemia?
Erick Sadao: Eu queria falar sobre as minhas visões do turismo pós-pandemia, que já começa a acontecer aqui na Europa. Na Holanda, país em que estou baseado, eu já vejo isso acontecer, e é um turismo que se abre de dentro pra fora, né? Assim que os hotéis recebem permissão para abertura a gente vê que os primeiros turistas que chegam são os turistas da região de Benelux, e agora com a abertura pra Schengen a gente começa a ver reservas de turistas de toda a Europa que visitam os territórios entre os países. Na Europa, esse ano é um verão de europeus pra europeus, então a gente não espera receber muitas outras nacionalidades, aguardamos as definições de Schengen com relação à entrada de países que não lidaram muito bem com a questão, como os brasileiros, e a gente sabe que que a situação no Brasil pode influenciar e atrasar um pouco a nossa permissão de entrada em alguns lugares, como aconteceu nos Estados Unidos. Esse turismo pós-pandemia está nascendo cheio de significado, Amsterdã liderou um projeto que foi adotado por Viena, Barcelona, Veneza, que tratava justamente da superpopulação de turistas que acabava por colocar em risco o ecossistema da cidade e as pequenas lojas e comércio local, que acabam dando a cara da cidade, a gente vê isso acontecendo em outros lugares também. Então, eu acho que é um restart, essa possibilidade de recomeço propõe que o viajante que passe a viajar depois da pandemia tenha isso em mente e colabore pra que esse ciclo de turismo seja mais sustentável.
TI: Que mudanças serão importantes no turismo que fazíamos antes da pandemia?
ES: Aí eu entro nas mudanças que seria importante que o turismo como um todo fizesse. Quando a gente passa a ter um turismo baseado em resort, que trás todo conforto e até mais conforto do que as pessoas tem nas próprias casas, a gente tira um pouco dos atributos do turismo que, na sua essência, tem a vontade de explorar os lugares adentrando a cultura do outro, experimentando a cultura das regiões visitadas. A gente tem um momento agora de mudar um pouco isso, e é bem interessante porque a gente pode trabalhar as campanhas como um todo de maneira mais profunda, os órgãos de turismo em geral podem fazer isso. Eu trabalho com turismo há um tempo, mas nunca tinha visto uma chance desse tamanho de tornar a nossa área mais sustentável.
TI: Do que você mais sente falta na quarentena?
ES: A quarentena me fez sentir muita falta do contato com outras pessoas. Eu trabalhava, até a quarentena, não só organizando viagens, mas recebendo muitos dos clientes. A falta de contato humano é uma coisa que mexeu demais com todos nós, e com algumas profissões ainda mais, mas eu acho que a comunicação e a possibilidade de se conectar por causa da tecnologia acabou por diminuir um pouco esse espaço, esse vazio.
TI: O que de mais significativo se transformou em você durante esse período?
ES: Eu diria que foi a capacidade de viver mais o momento e de perceber de que a gente vivia uma aceleração de tudo que não fazia nenhum sentido, pra mim não faz nenhum sentido, a gente não conseguia desenvolver as coisas com profundidade, a gente não conseguia estar nos lugares como a gente deveria estar e eu acho que isso também de novo é uma super oportunidade que se abre pra gente, é a capacidade de trabalhar nos projetos que a gente considera que completam o nosso propósito pessoal que vem de encontro a isso e a vontade de permanecer assim de trabalhar com coisas e com projetos que venha de encontro com essa minha crença.
Carlos Ferreirinha, CEO da MCF Consultoria
TI Comunicações: Como você enxerga o turismo pós-pandemia?
Carlos Ferreirinha: Eu enxergo o turismo como uma válvula de escape após essa pandemia, após essa travessia do período pandêmico, como eu tenho chamado. O turismo vai ser a nossa liberdade, a forma como vamos nos permitir. É engraçado, né, tanto tempo de isolamento e distanciamento social, e mesmo assim eu acredito que o turismo será exatamente a porta de saída disso tudo. Não será apenas abrir a possibilidade da quarentena finalizar, mas eu vejo que nós buscaremos uma possibilidade de desconexão, de descompressão, desse período muito devastador, preocupante, angustiante, desesperador para muitas pessoas. Por mais que o turismo venha com muitas válvulas de escape, e com muitas possibilidades nessa direção, como eu dizia, e por mais que ele tenha muitos obstáculos e muitos novos protocolos, eu vejo que nós nos adaptaremos da mesma forma que nos adaptamos à mudança total e absoluta do viajar depois do 11 de setembro. Eu vejo que esses novos protocolos serão absorvidos por nós e que nós buscaremos alternativas. No primeiro momento, de imediato, o turismo nacional, que tem uma janela de oportunidades significativa, não posso afirmar que nós seremos capazes de agarrar essa oportunidade, mas ela estará escancarada para todos nós, uma vez que o turismo internacional tomara um pouco mais de tempo. Então, essa vai ser uma boa oportunidade, olhando para a perspectiva Brasil, de uma descoberta ou de uma redescoberta da possibilidade de se aventurar nesse turismo dentro do próprio Brasil, dentro do próprio país, dentro do nosso próprio mercado.
TI: Que mudanças serão importantes no turismo que fazíamos antes da pandemia?
CF: Eu vejo que antes dessa pandemia nós já deveríamos ter investido um pouco mais em Road Trips. O Brasil é um país geograficamente continental, que tem muitos bons destinos que podem ser percorridos de carros, tem inclusive muitos sceneries, muitos destinos com imagens fantásticas e excepcionais que poderiam ser muito melhor explorados em viagens de carros. Então, eu acredito que nesse momento de retomada do turismo pós-pandemia, essa zona primária, entre 500 quilômetros – um pouco mais, um pouco menos -, será favorecida, mas será favorecido pela janela de oportunidade, e poderia ser uma boa continuidade se nós tivéssemos prestado atenção nisso já há muito tempo, nessa possibilidade de olhar pra essas zonas primárias e favorecer esse turismo, essa possibilidade de viajar de carro. Os americanos fazem muito bem isso, os europeus também em alguns mercados, como é o caso de Portugal e de Espanha. Claro que são mercados infinitamente menores, mas nós temos destinos extraordinários que podem ser percorridos, inclusive até muito mais na longa distância, eu diria aí que são uns bons mil ou mais quilômetros que nós podemos percorrer com facilidade, nessa possibilidade de um turismo bem explorado na área.
TI: Do que você mais sente falta na quarentena?
CF: É interessante que nessa pandemia as coisas mais simples são aquelas de que eu sinto mais falta. Ir ao cinema, se encontrar com os amigos em casa, estar com a família, caminhar no parque, correr no parque, andar de bicicleta, são possivelmente aquilo de que eu mais sinto falta no meu dia a dia. Exatamente aquela prática da simplicidade que faz uma diferença muito grande. Então, eu enumeraria dessa forma, o poder ir e vir, principalmente nas minhas caminhadas, corridas e bicicleta, estar com os amigos e receber os amigos em casa, que é super importante pra mim, e estar com a família. Eu diria também algo a mais que é muito importante: eu tenho sentido falta da troca com os meus funcionários, das minhas duas empresas e da Associação que eu lidero. E, por fim, eu diria que a falta de ir à academia com um personal. Esses movimentos mais simples têm feito uma diferença bem grande pra mim.
TI: O que de mais significativo se transformou em você durante esse período?
CF: Durante todo esse período da quarentena eu tenho feito um exercício pessoal, eu diria talvez que o mais relevante de tudo, que é garantir que eu não passe por esse período sem ter feito reflexões profundas sobre o meu eu. O eu individual, o eu coletivo, o eu profissional, o eu como líder, o eu como gestor. Eu tenho um trabalhado muito, mas me permitido fazer muitas reflexões, e talvez muitas delas que eu inclusive já deveria ter feito há muito tempo. É interessante, porque isso não tem sido angustiante, isso tem sido libertador. Me permitir estas reflexões profundas, mais corajosas, mais ousadas sobre mim mesmo, sobre decisões, sobre vontades e sobre caminhos tem sido um exercício bem positivo e interessante.